[19/11/12]
Burocracia barra profissional de fora
A intenção do governo brasileiro de facilitar a entrada de profissionais estrangeiros de alta qualificação esbarra na própria burocracia. A validação dos diplomas, necessária para que os estrangeiros possam trabalhar regularmente, é um processo longo, complicado e caro, o que leva muitos, mesmo com o visto de trabalho em mãos, a desistirem.
O problema afeta especialmente a área que o governo Dilma Rousseff quer mais atrair, a de engenheiros, arquitetos e técnicos de inovação tecnológica.
Hoje, a escassez de profissionais dessas áreas no Brasil faz com que muitas empresas tentem importar estrangeiros para ocupar as vagas ociosas. A falta de um diploma válido não impede que essas pessoas trabalhem, mas não permite que assinem projetos, o que limita a possibilidade de contratação e aproveitamento de profissionais qualificados.
A validação do diploma no Brasil pode ser feita por qualquer universidade pública, de acordo com uma determinação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, aprovada em 1996. O que parece ser uma facilidade, no entanto, termina por ser um complicador. Cada instituição tem exigências e critérios próprios, que normalmente passam pela análise do currículo e do conteúdo das disciplinas.
Algumas dessas instituições exigem tradução juramentada de todo o material, enquanto outras aplicam uma prova. Raramente um candidato é aprovado sem que seja obrigado a fazer pelo menos algumas disciplinas complementares. Todo o processo pode levar até dois anos e custar até R$ 5 mil, entre taxas da universidade e a tradução do material. Muitos desistem antes mesmo de começar.
Realidade. Esse é o caso de Victor Sanz, arquiteto espanhol de 29 anos que trabalha há quatro anos em Brasília. Sanz tentou fazer o processo de validação em duas universidades públicas, a de São Paulo (USP) e a de Brasília (UnB), mas não levou adiante nenhum dos dois. "É um dinheiro que não tenho e também um tempo que não tenho. No nosso caso, não sabemos quanto tempo vamos ficar no Brasil. Aí começamos um processo que, quando terminar, já teremos ido embora", explicou.
Hoje, Sanz faz projetos no escritório, mas não pode assiná-los. Também não pode ter registro no Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura.
Ele lamenta outras oportunidades perdidas. "Já fui convidado para fazer outros trabalhos, mas não posso aceitar. Também não posso assumir outros postos porque é preciso alguém para assinar os projetos", conta o arquiteto que, mesmo com toda a crise na Espanha, pensa em voltar para seu país no ano que vem. "Não sei se vai dar certo, mas quatro anos é bastante tempo para ficar fora. Quero tentar", disse ele. "Mas, se não funcionar, já tenho a passagem de volta. Aqui no escritório já me avisaram que me contratam de novo, porque sempre precisam de gente."
O problema da validação dos diplomas de profissionais estrangeiros já está no radar do governo. É um dos temas que a força-tarefa coordenada pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República estuda para facilitar a entrada de profissionais qualificados, como mostrou reportagem do Estado na última segunda-feira.
"É um dos tópicos que a comissão está analisando, mas está no início ainda, não temos um parecer", explicou Ana Carolina Lamy, assessora da Subsecretaria de Ações Estratégicas da SAE. "Deverá ter alguma mudança, é uma questão de ver o que é possível fazer."
Relatório. Em março de 2013, a SAE deve entregar um relatório sobre as vantagens e desvantagens do atual processo de entrada de estrangeiros no País. Com base nesse estudo, os ministérios envolvidos vão começar a discutir as mudanças. Ou seja, é improvável que se veja alguma alteração antes do segundo semestre do próximo ano.
No Ministério da Educação, o assunto também já está em discussão. De acordo com o secretário de Ensino Superior do ministério, Amaro Lins, a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) começa a analisar a possibilidade de convênios com instituições estrangeiras consideradas de referência, especialmente em Portugal, para simplificar o processo.
Em caso de um acordo entre instituições, o processo passaria a ser quase automático, nas duas vias. "É um tema muito atual e estamos discutindo isso", disse o secretário. "O Conselho Nacional de Educação deve fazer um seminário. Temos algumas alternativas e deve sair algum tipo de simplificação de processo, especialmente para universidades de reconhecido padrão internacional."
Na medicina, validação de diploma é centralizada
Em pelo menos um caso, o dos médicos, o governo federal decidiu centralizar a prova de certificação. Nesse caso, para atender a um lobby específico, o das famílias de jovens brasileiros que foram fazer medicina em Cuba e de partidos da base do governo, como o PT e o PCdoB, que encabeçavam o sistema de seleção para as vagas na escola de medicina do país de Fidel Castro.
O Revalida, como é chamada a prova, foi criado em 2010 e é preparado pelo Instituto Nacional de Estatísticas e Pesquisas Educacionais (Inep) e aplicado por 38 universidades públicas.
A pressão por um processo de validação de brasileiros formados em medicina no exterior é antiga e começou com a pressão por jovens que faziam a faculdade na Bolívia. Lá não é necessário vestibular para entrar na faculdade e a mensalidade custa, em média, um oitavo do que custa no Brasil. Calcula-se que cerca de 20 mil brasileiros ainda hoje façam medicina na Bolívia.
Ainda assim, o governo nunca entrou em campo para arrumar uma solução até 2005, quando o primeiro grupo de 40 jovens médicos formados em Cuba estava para voltar ao Brasil. Não havia impedimento para que fizessem a validação do diploma, mas teriam de passar pelo mesmo sistema burocrático, caro e incerto de todos os demais que tentam o processo.
Já naquele ano, o Ministério da Educação tentou acelerar uma solução mas, apesar da pressão política, o processo também foi longo. A solução só veio cinco anos depois.
Ainda assim, o Revalida não se transformou em uma garantia de autorização para trabalhar no País. Na primeira edição da prova, em 2010, dos 507 inscritos, apenas dois foram aprovados. No ano passado, foram 677 candidatos e 65 aprovados. A avaliação, formada por uma prova teórica com 110 questões objetivas e cinco discursivas e uma parte prática, cobra protocolos básicos de atendimento, mas tem como foco o que é ensinado no Brasil, onde epidemiologia e doenças tropicais têm um peso forte.
LISANDRA PARAGUASSU - BRASÍLIA
Fonte: O ESTADO DE S. PAULO - ECONOMIA
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