[13/02/12]
Contratos de risco
Calhamaço com várias páginas e termos estranhos ao comprador leigo, o contrato de aquisição de um imóvel provoca dúvidas mesmo depois de concluída a transação.
As taxas e os valores pagos nesse tipo de negociação têm sido mais questionados na Justiça, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
No Procon-SP (órgão de defesa do consumidor), as queixas contra incorporadoras e construtoras tiveram aumento de 26% na comparação entre o primeiro semestre de 2011 e o de 2010. Foram 1.981 reclamações nos seis primeiros meses de 2011.
A alta não é proporcional ao volume de vendas do período, já que houve queda de 31,8% nos residenciais comercializados em São Paulo em comparação ao primeiro semestre de 2010.
A diretora de atendimento do Procon-SP, Selma do Amaral, explica que o pagamento de taxas indevidas é o segundo principal motivo de reclamações ao órgão -dentro da categoria transações imobiliárias-, logo atrás do não cumprimento de contratos, como atraso na entrega ou defeitos.
Uma das contendas é a comissão do corretor -paga ao profissional que intermedeia a venda e que varia entre 6% e 8% do valor da compra. Aqueles que adquirem o imóvel em estandes de venda têm recorrido aos tribunais e aos órgãos de defesa do consumidor para pedir ressarcimento da cobrança.
Outros reclamam da cobrança de assessoria técnica contratada sem anuência, ou, ainda, de terem sido forçados a usar o serviço de despachante de determinadas empresas (veja à pág. 4).
O Sati (Serviço de Assessoria Técnico-imobiliária) está entre as taxas mais questionadas. A cobrança, que costuma ser de 0,88% do valor do imóvel, é considerada imprópria pela comissão de direito urbanístico da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), explica o advogado Marcelo Manhães.
A venda de um serviço extra ou a cobrança da corretagem não são ilegais. Elas se tornam irregulares quando o comprador desconhece o que está adquirindo.
Para o juiz Paulo Scartezini Guimarães, não adianta os serviços constarem do contrato se não estiver claro para o cliente do que se trata.
"O problema é quando a pessoa paga sem ser avisada que aquele dinheiro não servirá para amortizar a dívida da compra do imóvel", diz.
Pagamento de corretor tem de ser negociado
O analista de sistemas Marcio Marchetti, 36, está na Justiça cobrando a devolução da taxa Sati e da corretagem pagas na compra de seu apartamento, em abril de 2008.
"Eles [imobiliária] me impuseram a taxa de assessoria jurídica para verificação de contrato. Se não pagasse, não conseguiria comprar", reclama.
Para o advogado Marcelo Manhães, a cobrança é ilegal. "O cliente deve ter uma relação de confiança com o advogado que lhe representa e defende seus interesses."
A imposição do serviço sem o correto esclarecimento do consumidor ou como condição para que a compra do apartamento seja realizada pode ser considerada venda casada nos tribunais.
"Deve estar explícito no contrato de todas as empresas que o serviço é facultativo", explica o advogado do Secovi-SP (sindicato do setor imobiliário) Rodrigo Bicalho.
O advogado Marcelo Tapai, especialista em direito imobiliário, afirma que, apesar de ser possível cobrar a corretagem do comprador, o valor deveria estar embutido no preço do imóvel e ser descontado da receita da construtora ou da incorporadora.
Já Bicalho afirma que isso não está previsto em lei. "Deve ser definido em contrato quem pagará a corretagem e, se o comprador paga, ele deve exigir nota fiscal", considera. A ideia é que o documento separe o preço do imóvel da cobrança pelo serviço.
CASAMENTO
Após o atraso de quase dois anos na entrega do apartamento comprado em 2008, o contador Rafael Gaya, 31, decidiu entrar na Justiça para reaver a corretagem paga.
"A gente assina tudo muito pela pressa de realizar o sonho", diz Gaya, que planejou o casamento para a data da entrega do imóvel.
A ação foi julgada e o juiz determinou a devolução do valor pago em dobro. A construtora MVG Engenharia afirma que recorrerá da decisão.
Registrar desacordo ajuda em contestação
Para se defender de acusações, empresas alegam que o comprador concordou com todos os termos do contrato por tê-lo assinado.
No entanto, o advogado Bernardo Brandão explica que o código do consumidor prevê que qualquer cláusula pode ser anulada "caso gere vantagem excessiva para uma das partes".
Mesmo podendo discutir depois, a dor de cabeça de entrar na Justiça pode ser evitada se a euforia de fechar o negócio for deixada de lado durante a análise do contrato, aconselha a especialista em direito imobiliário Mirelle Ottoni.
A discussão prévia com a construtora, apontando dúvidas ou problemas no contrato, é a melhor medida.
Se isso não acontecer, especialistas recomendam assinar o documento deixando claro do que discorda. O registro pode ser feito em e-mails para a empresa questionando as taxas.
MARCOS DE VASCONCELLOS
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Fonte: FOLHA DE S. PAULO - IMÓVEIS - 13.2.2012
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