[08/08/11]
Cartório se isenta de culpa por assinatura falsificada em aluguel
Um tribunal de segunda instância da cidade de São Paulo decidiu que o cartório que reconheceu firma de uma assinatura falsa não deveria indenizar a suposta fiadora.
A apeladora precisou recorrer à Justiça para reverter a penhora de sua casa, usada como garantia em um contrato de locação em que seus documentos e assinaturas foram fraudados.
Em seu voto favorável ao cartório, o desembargador Hélio de Freitas argumentou que o reconhecimento de firma não é necessário para validar contrato de locação.
"Para o instrumento particular, bastam as assinaturas das partes e das duas testemunhas", diz o documento. A decisão abre a discussão sobre como o locatário pode se resguardar contra fraudes.
Golpistas roubam ou falsificam documentos de donos de imóveis e vendem os serviços de fiança. Geralmente, a vítima só toma conhecimento após a Justiça iniciar uma ação de penhora dos bens. Isso aconteceu em 2007 com a analista Joana (nome fictício). Com seus documentos falsificados, ela conta que enfrentou naquele ano seu primeiro processo judicial.
Desde então, gasta tempo e dinheiro em boletins de ocorrência, ações na Justiça e exames grafotécnicos, usados para avaliar a veracidade da assinatura.
Tudo para provar por repetidas vezes que não assinou como fiadora os vários contratos de aluguel que envolvem seu nome e sua casa. "Muitas vezes eles [os golpistas] falam que eu estou doente ou viajando, e as imobiliárias aceitam", diz. Seu nome está incluído no Serasa (serviço de proteção ao crédito) e na lista de vítimas do "golpe da fiança" do site do Creci-SP (conselho de corretores de imóveis).
Apesar de não ser obrigatório por lei, o reconhecimento de firma em contratos de locação é prática comum.
Imobiliárias pequenas são alvos comuns
Nos cartórios, há dois tipos de reconhecimento: por autenticidade ou por semelhança. No segundo caso, não se exige a presença de quem assina.
Esse é um procedimento comum nas imobiliárias menores, afirma a advogada Josiclér Marcondes. Aí é que mora o perigo. A assinatura do envolvido, normalmente o fiador, pode ser falsificada por golpistas e passar pelo reconhecimento visual.
Casos como esse são exceções à regra, defende Ubiratan Guimarães, presidente do Colégio Notarial do Brasil. Ele recomenda, no entanto, o reconhecimento por autenticidade. "Com a presença, não há a menor possibilidade de falsificação", defende.
Análise documental cautelosa é solução
Como precaução contra falsas garantias no aluguel, o melhor caminho é a exigência de documentos. Com os papéis em mãos, é mais fácil checar a idoneidade do locatário e a do fiador.
Certidões negativas atualizadas, tiradas em cartórios e fóruns, provam que as pessoas não possuem pendências judiciais ou financeiras. Vale também pegar referências em bancos e na vizinhança, principalmente no caso do fiador. Na hora de celebrar o contrato, o advogado Edwin Britto recomenda a presença de todos os assinantes juntos. Para ele, é a única forma de atestar quem é quem.
"O contrato de locação tem que dar certo por um ou dois anos. Investir 30 minutos para reunir os assinantes não é perda de tempo, é investimento", considera Jaques Bushatsky, conselheiro do Secovi-SP (sindicato do mercado imobiliário).
Em casos excepcionais, o reconhecimento de firma por autenticidade -em que a pessoa assina em frente ao tabelião- é a alternativa mais segura, aconselha José Augusto Viana Neto, presidente do Creci-SP (Conselho Regional dos Corretores de Imóveis).
Dona da imobiliária M. Toledo, Lizette Toledo afirma que passou a exigir a presença do fiador há muitos anos.
"Quando [os locatários] chegam com uma pastinha toda certinha do dia para a noite, não dá outra. Dois dias depois a papelada é negada por problema de fraude."
PRECAUÇÕES
Ao proprietário, a advogada Josiclér Marcondes sugere pedir fiador com dois imóveis. Seria uma forma, diz, de garantir uma penhora, pois, se um dos bens for de família (único para moradia), não poderá ser executado.
Deixar o imóvel em grandes imobiliárias em geral é mais seguro. Nelas, documentações frias não costumam aparecer -o golpe dificilmente vinga, frisa o gerente de aluguéis da Predial Auxiliadora, Daniel Nakamura.
"Com uma carteira consolidada, a imobiliária tem uma estrutura jurídica que diminui os riscos." Ao maior prejudicado nesses episódios, a pessoa que vira fiadora sem saber, Edwin Britto propõe deixar o próprio nome sujo por algum tempo: "Só assim os falsários deixam de usar os documentos".
DOCUMENTOS PARA LOCAÇÃO*
Cópias autenticadas
- RG e CPF
- Certidão de casamento, se for o caso
- Comprovante de residência (conta de água ou de energia elétrica)
- Comprovante de regularidade do CPF
- Indicação de referências pessoais, comerciais e bancárias
- Certidão recente de dois imóveis em nome do fiador, localizados na cidade da locação
- Em casos em que o fiador possua terreno, apresentar guia de IPTU
- Comprovante de rendimento do fiador igual ou superior a três vezes o valor do aluguel
Certidões negativas
- de ações cíveis
- de ações de família e execuções (fiscais, municipais, estaduais)
- de processos nas Justiças Federal e do Trabalho
- de processos criminais
- de protestos
- conjunta de débitos, relativa aos tributos federais e à dívida da União
* para contratos de pessoas físicas Fontes: advogados e imobiliárias
Condição do imóvel deve ser documentada
Em meio à papelada dos contratos de aluguel, a falta de orientação ou de experiência do proprietário e do inquilino pode causar desentendimentos.
Um problema comum é a ausência de documentação para exigir a reforma do imóvel ao fim do acordo. "Muitas vezes o inquilino alega já ter encontrado o imóvel daquele jeito e não quer reformar", relata José Augusto Viana Neto, presidente do Creci-SP. O gerente de aluguéis da Auxiliadora Predial, Daniel Nakamura, recomenda que o locatário acompanhe a vistoria que produzirá as fotos do imóvel que serão anexadas ao contrato. O documento deve ser firmado por ele.
Quando utilizado, o seguro-fiança também pode virar fonte de dor de cabeça. Como geralmente ele tem contrato de 12 meses, algumas imobiliárias se esquecem de pedir a renovação, alerta Roseli Hernandes, diretora da Lello.
Fiadores profissionais oferecem seus serviços na internet e no centro de SP
A chamada na página de internet é autoexplicativa: "Fiador 100% idôneo. Você está com problemas para alugar? Temos a solução". A reportagem da Folha entrou em contato por telefone, sem se identificar, e obteve o endereço da solução prometida: uma sala comercial na rua São Bento (centro).
A região concentra prestadores da fiança profissional -alguém que supostamente vende sua garantia pessoal em contratos de aluguel. Supostamente, porque apesar de a prática não ser ilegal, na maioria das vezes os documentos oferecidos são de outra pessoa, pois a atividade só se torna lucrativa quando não há o risco de perder o próprio imóvel.
Vanessa, que atendeu à reportagem, diz que abriu a sala na Sé há um mês -antes atendia em casa- e explica como enganar imobiliárias. "Você tem que dizer que o fiador é seu primo ou amigo. Anotamos suas informações e combinamos com ele para a hora em que a imobiliária ligar", explica. Corretoras maiores não entram na negociação. "Nessas não passa."
Por R$ 100, Vanessa entrega, em um envelope, o "kit básico" com tudo o que o locador pode exigir do fiador: comprovante de renda, escritura de imóvel na cidade, cópias de identidade e CPF autenticadas, conta de telefone e cadastro de IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano).
"Pode conferir. E, se precisar dos originais, mandaremos. É tudo quente." A segunda parte do pagamento vem com o fechamento do contrato, 50% do valor do aluguel anual.
Em seguida, ela explica que nosso fiador é mulher, autônoma, artesã vidreira e tem renda de R$ 5.800, segundo declaração assinada por um contador. "Mas, se não der certo, conheço uma imobiliária em que eu falo com o corretor e ele deixará." O Cartório de Registro Civil do 9° Distrito informou que toda a documentação do imóvel da fiadora é autêntica.
CARLOS ARTHUR FRANÇA
DE SÃO PAULO
LUCIANO BOTTINI FILHO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA - DE SÃO PAULO
Fonte: FOLHA DE S. PAULO - IMÓVEIS - 7.8.2011
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